segunda-feira, 7 de julho de 2008

STF nega liminar a condenado por porte ilegal de arma de fogo


MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO NEGA LIMINAR A CONDENADO POR PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO

O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de liminar formulado pela Defensoria Pública da União (DFU), no Habeas Corpus (HC) 95018, em favor de J.D.B., condenado por porte ilegal de arma (artigo 14 da Lei 10.826/03) por juiz de primeiro grau de Crissiumal, no Rio Grande do Sul.

Posteriormente absolvido pelo Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-RS), J.D.B. teve, entretanto, esta decisão reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). É contra essa decisão que a DPU recorreu ao Supremo, alegando que aquele tribunal, ao acolher Recurso Especial (REsp) interposto pelo Ministério Público gaúcho contra a decisão absolutória do TJ-RS, com isso restabelecendo a sentença condenatória, afrontou a Súmula 7 do STJ e o verbete 279 do STF, segundo o qual, para simples reexame de prova, não cabe Recurso Extraordinário (RE).

Ainda segundo a Defensoria, a Súmula 361 do STF exige a demonstração da potencialidade lesiva para caracterização do delito de porte ilegal de arma de fogo, e esta não teria ficado amplamente comprovada nos autos, vez que não se teria realizado perícia técnica por um órgão imparcial (artigo 159 do Código de Processo Penal - CPP).

Indeferimento

Ao indeferir o pedido de liminar, o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, disse não estarem "perceptíveis, de plano", a fumaça do bom direito e o risco da demora, pressupostos indispensáveis para o juízo superficial de pedido de liminar, em que o juiz não pode aprofundar-se na análise do processo.

Segundo ele, o STJ não revolveu o contexto probatório da causa, em sede de recurso especial. Assim, "não enxergo ofensa à Súmula 279 deste STF, o que fragiliza a tese de que o (recurso) especial não era de ser conhecido pelo STJ", afirmou o ministro.

Além disso, ele observou que houve perícia técnica para a aferição da potencialidade lesiva da arma de fogo encontrada com o paciente (revólver calibre 22, marca Rossi, nº 56039). Por isso, preferiu reservar-se para um exame mais detido da tese da defesa (validade ou não da perícia contida nos autos), por ocasião do julgamento de mérito do HC.

COMENTÁRIO

De plano, uma possível confusão deve ser desfeita. O artigo 14 da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) continua em vigor. Tal ressalva se mostra necessária em razão da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3112, na qual, em maio de 2007, o STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do dispositivo.

Na ação supracitada, a nossa Suprema Corte invalidou três artigos do Estatuto, os artigos 14 e 15, nos seus parágrafos únicos e o artigo 21.

Analisemos o artigo 14, in verbis:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa)

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (declarado inconstitucional na ADI 3112).

Firmou-se o entendimento de que tais infrações são crimes de mera conduta, que não acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade, não se justificando, porquanto, a impossibilidade do benefício, leia-se, da fiança.

Note-se que o caput do dispositivo não foi alcançado pela declaração de inconstitucionalidade, permanecendo, assim, em vigor.

O caso objeto do nosso estudo tem como fundamento, exatamente, o artigo 14 caput, que traz em seu bojo o crime de porte ilegal de arma de fogo.

A tese da defesa, apresentada pela DPU (Defensoria Pública da União)

a) afronta à súmula 7 do STJ e à súmula 279 do STF.

Súmula 7 do STJ: "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".

Súmula 279 do STF: "para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário". Sem dúvida, um ponto em comum entre o RE (recurso extraordinário) e o Resp (recurso especial): ambos não admitem o reexame dos fatos e das provas produzidas nas instâncias inferiores.

O recurso especial, de competência originária do STJ encontra previsão no artigo 105, III da CF, que dispõe: "compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência. b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal".

Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, posto que o recorrente somente pode valer-se de uma dessas bases para motivar a sua pretensão recursal, não lhe sendo possível criar mais nenhum outro fundamento.

Há de se notar, ainda, que todos os três fundamentos previstos para a interposição do recurso se relacionam, essencialmente, com matérias de direito, não cabendo, na via especial, o reexame dos fatos e das provas. É esse o teor da súmula de nº. 7 do STJ.

Para a defesa do acusado, o STJ, ao reformar a decisão do TJ/RS (em que o réu havia sido absolvido), e, restabelecer a sentença proferida em primeira instância (condenando-o), contrariou a súmula por ele mesmo editada, analisando novamente os fatos e as provas produzidas no juízo a quo.

b) ofensa à súmula 361 do STF

O enunciado estabelece que "no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão".

A Defensoria firmou-se no sentido de que o laudo em que se atestou a potencialidade lesiva da arma possuída ilegalmente pelo acusado, para fins da caracterização do crime previsto no artigo 14, caput do Estatuto do Desarmamento é nulo, haja vista ter sido o exame realizado por apenas um perito.

Vejamos o que nos diz o artigo 159 do CPP.

Em sua redação atual, o dispositivo supracitado determina, in verbis:

Art. 159 - Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais.

§ 1º - Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame.

§ 2º - Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

No entanto, há de se notar que tal norma foi alvo de alteração pela Lei 11.690/08, passando a dispor que:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

§ 1º com redação dada pela Lei nº. 8.862, de 28 de março de 1994.

§ 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.

§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:

I - requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;

II - indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.

Note-se, igualmente, que a nova legislação ainda está em vacatio legis, e, somente entrará em vigor em 60 dias depois de sua publicação, nos termos do seu artigo 3º.

Estamos diante de lei processual, que, regra geral, possui aplicabilidade imediata, alcançando a todos os processos em andamento. Assim, com a sua vigência, os exames periciais não mais deverão ser realizados por 2 peritos, bastando, para a sua validade, que tenha sido concretizado por um perito oficial. É o que se extrai do artigo 159, caput, em sua nova redação ("o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior").

No entanto, tal alteração não se aplica ao caso concreto, haja vista que, no momento em que se deu a perícia, o seu regramento obedecia, como ainda obedece ao hoje vigente artigo 159, que exige a realização do exame por dois peritos.

E, a conseqüência para a desobediência a tal norma está contemplada na súmula em comento (súmula 361 do STF): a nulidade do exame.

Note-se que não se cogita da nulidade do processo, mas sim, e, apenas, da perícia realizada em desobediência aos padrões estabelecidos.

Em sua decisão, em análise ao pedido de liminar, o Ministro Relator (Carlos Ayres Britto) posicionou-se pela não concessão da medida por não estarem presentes os seus pressupostos básicos: periculum in mora e fumus boni iuris, afirmando não ter havido infringência às súmulas 7 do STJ e 279 do STF, uma vez que, no recurso especial impugnado, o STJ não se ateve aos fatos apurados em instâncias inferiores. No que tange à súmula 361, entendeu que o exame foi realizado, mas ignorou o fato de tê-lo sido por apenas um perito.

Com certeza, tal fato deverá ser reapreciado quando da análise do mérito do HC.

fonte: http://www.stf.gov.br

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